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ENQUANTO ISSO

Local: Biblioteca Mário de Andrade - São Paulo.


Abertura: 27/11/2018, às 19h.
O período de visitação será de 27/11/2018 a 24/02/19
Todos os dias das 8h às 20h

Realização:
Galeria Marcelo Guarnieri


Biblioteca Mario de Andrade
rua da consolação, 94 - centro
11 3773-0002


 
 
 
nem tudo é culpa nossa
Charles Cosac

Visitei o ateliê de Fernando Vilela às vésperas da eleição. Foram dias tensos, a violência
com a proximidade do pleito atingia a tudo e a todos, despudoradamente, e era alertada
por todos os meios de comunicação.
Ali então se deu meu primeiro contato real com a obra do artista, com quem, indiretamente,
tinha trabalhado no passado em exercício distinto, mas igualmente criativo: a ilustração,
por conta de Lampião & Lancelote, que já trazia sinais da exposição ora em tela.
Enquanto um touro é covardemente morto na Espanha, crianças e adultos são
assassinados no Oriente Médio e o Exército brasileiro estuda o manual de tortura usado
pelo Exército estadunidense. A violência se torna algo trivial, algo que nem sequer importa.
Uma xícara de chá num pires. Um trompete silencioso. Um bule de café prestes a explodir
retinindo barulhos de guerra. Uma bomba, um tiro, um espinho. Vilela articula raciocínios
e os desenha nas oficinas ministradas em seu ateliê/fábrica de ideias “aconchegante”. O
artista tem a capacidade de criar, em concomitância, situações díspares, às vezes mesmo
datadas, gerando no espectador uma estranha sensação de continuidade, mas também
de desconsolo e impotência diante delas.
Talvez pelo claro-escuro predominante, a obra de Vilela me faz pensar de pronto na obra
de Goya, sobretudo nas mais sombrias, como o soturno Saturno e Os fuzilamentos na
montanha do príncipe Pio. Ambos os artistas trabalham em alta tensão com extrema
agilidade, confiança e precisão. Ambos os artistas nos fazem lembrar e sentir que, em
toda a história da civilização, o ser humano agiu de maneira quase sempre incorreta, em
detrimento do que, no fundo, sabíamos ser sempre o mais correto. A força da obra de
Vilela me faz ter a triste certeza de que fizemos praticamente tudo errado. Mas o torpor
desse sentimento já não nos fere nem amua, pois, de tão bruto, tão incisivo e exclusivo, ele
acaba nos redimindo, nos fazendo acreditar que nem tudo é culpa nossa.
A trilogia Coleção 1968-1973, de 2014, Arsenal, de 2017, e Enquanto isso, de 2018, ora
exposta no saguão e na sala oval da Biblioteca Mário de Andrade, é encimada por uma
obra bastante intrigante: Encontro, de 2018. Visivelmente a síntese dessa trilogia, Encontro
(que eu intimamente entendo como “conciliação”) remete a um apaziguamento, como um
pós-pranto, ou o reconhecimento do “cair em si”.
Narrativa em preto e branco de uma sociedade sombria repleta de contradições,
desigualdades e violências, a obra de Vilela parece refletir o sentimento de uma comunidade
vulnerável, mas verdadeira. Não por acaso, dialoga concretamente com o entorno da
Biblioteca Mário de Andrade, nossa Praça Dom José Gaspar, registro fiel, hoje, da cena
urbana paulistana.
 

a fúria do movimento
Rodrigo Villela
Curador e gestor cultural


Foi-se o tempo
em que confundi ação
com a fúria do movimento.
Arrancava lascas dos pratos
quando os punha a secar sem jeito
com o que é celestial.
Júlia de Carvalho Hansen*



Os desenhos e pinturas de Fernando Vilela apresentam narrativas que se acumulam,
se sobrepõem e gritam. Permeados de acontecimentos e memórias, os fragmentos
embaralhados de histórias cotidianas, atravessados pela violência, trazem a síntese de um
pensamento gráfico no qual a cidade, o convívio, a agressividade e a crueza da vida se dão
em desenhos (a carvão, nanquim e óleo – Enquanto isso), em instalação (Coleção 1968-
1973) e em objetos (Arsenal). Com densidade, antagonismos e complementos explícitos
– como guerra e paz, silêncio e explosão, esses trabalhos dão forma a complexos mundos
internos, indo do prosaico ao sublime. O que vemos, portanto, são perguntas repletas de
indignação e que se movem em direções variadas. A assertividade de Vilela, livre no uso
das linguagens, faz com que cada tema se desdobre para além dos suportes utilizados.
O imaginário do artista, forjado na belicosidade da ditadura, encontra ecos no
mundo do pré-guerra, com as touradas de Lorca ou as urgentes questões do mundo
contemporâneo – como os conflitos, passando por Iraque, Síria ou Turquia. No entanto,
nenhum desses fatores históricos contextualizam seu trabalho. Eles representam, na
verdade, um chamamento de fúria e de desejo – de atenção e de movimento em direção
ao desconhecido.